Embrião

Embrião

   Ante a premência de um ato criativo, sentiu um formigamento incômodo logo abaixo da bexiga, feito a sensação de urinar. Era a primeira vez que se sentia assim nesse corpo. Em se tratando de um corpo jovem, pensou que estaria livre de tais inconvenientes. Ao que parece, os humanos jovens e saudáveis também estão sujeitos a tais incômodos primitivos.

   Olhou para a tela em branco diante de si e de imediato soube do que necessitava. Preenchimento. Alheio às infinitudes da recém-habitada mente humana, preencheu-se de orgulho. Criatura e Criador. Enfim.

   Do orgulho eivado pela autocontemplação derramaram-se sobre a tela da criação matizes escuros. Percebeu-se intrigado pela velocidade da materialização do próprio sentimento. A seguir veio o sentimento de vergonha, e os matizes escuros foram preenchidos nas bordas pelo esverdeado purulento da morte. O medo lançou tons de cinza sobre a tela, que cresceram ao ponto de dominar a imensidão do todo. Não estava satisfeito com o resultado, disse a si mesmo que conseguiria fazer algo melhor. Como faria para recomeçar? Silenciou e entregou-se ao poder regente de seu corpo humano, a respiração. Em um piscar de olhos o mundo acinzentado voltou a ficar branco.

   Preciso de ajuda para controlar o sentimento, pensou. Como posso saber se estou no caminho certo não havendo uma referência?

   O branco diante de si começou a tremeluzir, e no meio da tela se materializou uma forma humanoide ligeiramente parecida com o corpo que estava habitando, mas com alguns detalhes diferentes de anatomia. A curiosidade fez com que chegasse mais perto. Um corpo feminino, nu, preto e cabeludo como o seu, jazia quieto ao chão. Teve medo de que estivesse morta, e formas virulentas de matizes esverdeados em questão de instantes tomaram conta da tela, obscurecendo sua visão. Voltou a se concentrar na entrada e saída do ar, como fora instruído, e a escuridão se dissipou. Uma vez mais, o mundo era branco, mas a forma humana havia desaparecido.

   Sentiu ira. Imediatamente o vermelho incandescente da destruição absoluta fez da tela cinzas. A explosão queimou-lhe os olhos, mas não o matou. O corpo, com exceção da visão, que não mais possuía, pareceu intacto.

   Sentiu-se miserável, com pena de si mesmo. Quanto tempo levaria para começar novamente a experiência? Sabia que as vidas humanas eram infinitamente breves, mas nunca estivera vendo as coisas pelo lado de dentro. Quanto tempo leva uma vida humana pelo lado de dentro?

   Se quisesse voltar a criar, precisaria descobrir.

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