Dádiva

dádiva

   Debaixo do velho cajueiro, cinco crianças estão sentadas em torno de um montinho de pedras, com as pernas cruzadas e os olhos fechados, de mãos dadas, em completo silêncio, duas garotas franzinas e três meninos altos. Vestem capas cinzentas de chuva e calçam sapatos pretos de couro, bons para se locomover com agilidade na planície. Animais silvestres não costumam oferecer nenhum perigo, mas também não estão satisfeitos com a presença deles ali.

   No outro lado do vale, a velha avó descasca um grande inhame, agachada sobre o córrego. De vez em quando, levanta o rosto na direção das colinas, contrai as narinas em fungadelas ritmadas e balança a cabeça com desgosto. Tem a cor da terra escura que cobre o inhame, e no rosto dois olhos brancos que um dia conseguia usar, mas hoje são tão úteis como a água suja que escorre para o riacho. 

   "Vão se atrasar para o jantar", pensa contrariada. "É possível até que não cheguem a tempo do entardecer."

   A mulher se preocupa com as saídas frequentes e cada vez mais longas dos netos para a floresta, mas não vem sendo atendida em seus apelos. Teme pela segurança deles até mais do que pela própria, mas é impossível protegê-los o tempo todo. 

   Perdida em medos demasiadamente visíveis, deixa a faca escapulir, abrindo um corte profundo na coxa. O sangue escorre no riacho, e é da cor da terra. A velha despenca nas águas, e nunca faltará alimento para seus descendentes.


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