Dois suspeitos em uma rua deserts

dois suspeitos em uma rua deserta

   No retrovisor notou os faróis que se aproximavam gradativamente, perturbando a calma escura da noite. O silêncio, por sua vez, pareceu-lhe de alguma maneira... errado. Incômodos eventuais brotavam na boca do estômago, sopros quentes na umidade gástrica denunciando sua ansiedade, como se a sutileza fosse mesmo necessária quando se tratava do óbvio. Tudo parecia deslocado, como se a mente estivesse fora de foco. Os olhos na estrada eram a única coisa que o prendiam à realidade. Nunca está tão ruim que não possa piorar, pensou. 

   Após cinco minutos de espera, um Celta vermelho estacionou logo atrás dele e lançou a rua uma vez mais na noite quieta ao apagar os faróis. Sua barriga fazia sons esquisitos, que conhecia bem. Sem se dar conta, abraçou-se para evitar os tremores que ameaçavam invadi-lo.

   O som da porta do Celta se fechando ecoou pelos quatro cantos da rua deserta. Tentou ver pelo retrovisor o rosto do homem que se aproximava, mas foram tentativas vãs. O som do sapato do homem no asfalto de repente pareceu acompanhar as batidas irregulares de seu coração. Engoliu com dificuldade a saliva que se acumulava, limpou a garganta e abaixou o vidro, permitindo que o frio da noite brincasse na pele suada de seu rosto. 

   — Trouxe a encomenda? — o homem perguntou, numa voz grave de barítono. 

   — Trouxe. E você, tem alguma coisa para me dar?

   — Preciso ver o produto primeiro.

   — Está na mala, pode abrir.

   Após conferir se estava tudo de acordo com o combinado, o homem entregou-lhe um maço de notas de cem e foi embora sem se despedir. "Mal educado", Horácio pensou. Colocou o dinheiro no porta-luvas, sem conferir se estava tudo certo. A sensação ruim no estômago começou a dar lugar ao alívio. Nada que pudesse dar errado se materializou, mas a mente ainda o acusava com as mãos geladas do medo. As coisas não estão tão ruins assim, afinal de contas, disse em voz alta. Deu a partida no carro, ligou o rádio, que estava reproduzindo canções românticas internacionais do tempo de seus pais, e acendeu os faróis, iluminando a rua deserta com todas as cores da esperança.

Voltar
Share by: