Comprimido

comprimido

   Caminhando sob o sol da manhã, ele espera chegar o quanto antes ao destino final. São só alguns minutos até a papelaria, mas parecem bem mais que isso. O suor escorre abundantemente, molhando a bermuda, a cueca e as costas da blusa. Essa noite terei uma daquelas dores de cabeça insuportáveis, pensa. Quanto mais caminha, mais longe parece ficar a papelaria. O sol da manhã estica o espaço-tempo, reduz as chances de qualquer sintoma de conforto, por menor que seja. À sua volta a cidade segue agitada, todos competindo para ver quem chega primeiro ao destino final. O homem para no sinal, esperando pacientemente sua vez de atravessar. Sente uma pontada aguda na região dos olhos. Aí está, diz para si, como se já estivesse esperando aquilo. Tenta proteger os olhos dos raios solares com a pasta carregada de documentos, promovendo um alívio momentâneo para o incômodo que ameaça se espalhar dos olhos para toda a testa. O sinal continua aberto, os carros seguem acelerados sua procissão sobre rodas, bem colados uns nos outros. Motociclistas se arriscam nos corredores, velozes feito insetos feridos. A pontada muda para o olho esquerdo, não parece bom. O que não daria por um copo de água bem gelada. Uma moto passa perto do meio-fio, quase atinge seu cotovelo. O piloto pragueja alguma coisa inaudível, instintivamente ele olha para o chão e dá um passo para trás. A pele nos braços às vezes se arrepia, o que não deixa de ser engraçado. Um calor dos infernos, e ele com calafrios. Sorri, mas é um sorriso amarelado, meio nervoso. A dor de cabeça já lateja na direção da nuca, o sinal continua aberto para os veículos, a procissão de motores não parece ter fim. Respira fundo, preenchendo os pulmões com os ares quentes da manhã. Consegue avistar a papelaria do outro lado da rua, algumas dezenas de metros à direita, mas ainda não pode atravessar. Sente-se só, humano em um mundo de motores, respirando o ar oleoso e cálido da cidade viva. O sinal continua verde, a fila de carros e motocicletas apressadas parece não ter fim, cruzando-se em seu movimento desengonçado na via em direções opostas. Tão perto do destino final e ao mesmo tempo tão distante. Entediado, busca outros passantes como ele, castigados pelo sol da manhã na condição de pedestres, mas não encontra ninguém. Com o calor, as pessoas preferem ficar entocadas em suas casas ou dentro das lojas. Apenas ele, de pé no meio fio, espera para atravessar, exposto ao sol. A manhã da cidade despertou, mas o homem só sente vontade de adormecer para sempre.

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